segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Salve o turista

*Antonio Noberto
 
Primeiramente, o título deste artigo nada tem a ver com o nome de uma novela. Ele e o texto em si, pretendem chamar a atenção para a secular desatenção dada ao estrangeiro no Brasil e as oportunidades que se descortinam com a valorização da presença deles a partir da racionalização da atividade turística. Segundo, além de uma questão de educação e civilidade, a acolhida ao estrangeiro é também uma recomendação divina, referenciada na Bíblia Sagrada desde os tempos mais remotos. O Antigo Testamento é pródigo em recomendar guarida e proteção ao estrangeiro, categoria lembrada, inclusive, nos Dez mandamentos. “O estrangeiro não afligirás, nem oprimirás, pois estrangeiros fostes na terra do Egito” (Êxodo 22:21). E uma das premissas para ingresso no Paraíso, citada por Jesus Cristo no Grande julgamento em Mateus 25:35, é a atenção e recepção ao forasteiro: “Era estrangeiro e hospedastes-me”. Terceiro, em tempos de aproximação de grandes eventos internacionais, como Olimpíadas e Copa do Mundo, não é interessante continuarmos indiferentes às oportunidades de geração de emprego e renda, quase um crime de lesa-pátria, praticamente sem política pública efetiva e propositiva dirigida aos turistas domésticos e estrangeiros.
 
Turismo não é brincadeira ou coisa de gente desocupada, mas a indústria que mais cresce e gera emprego em todo o mundo (um em cada nove), tendo superado setores econômicos de peso como o petrolífero e o automobilístico. A Espanha, que atualmente enfrenta uma das piores crises, não faz muitos anos constava entre as economias mais importantes, dinâmicas e promissoras da Europa, tudo porque conseguiu fazer valer algumas de suas potencialidades, entre as principais a atividade turística. Em uma década os espanhóis quadruplicaram o PIB turismo, de 4% para 16%. Algo espetacular e invejável. O que justifica então um país de dimensões continentais como o Brasil, com quase duzentos milhões de habitantes, com tanta riqueza natural e cultura tão diversa, nosso desempenho nesta atividade patinar sobre pífios 3,6% do PIB.
 
Nossa própria história nos dá muitas respostas sobre a situação. Uma delas é a tradição da cultura agrária. 
É fato que cada uma das diversas regiões do mundo possui papel previamente definido no motor produtivo mundial. À América Latina, especialmente ao Brasil, a parte que lhe cabe na herança é a produção de matérias-primas e a agroexportação. Quando muito, fugindo um pouco da sina, alcançamos degraus satisfatórios na indústria. O setor de serviços, apesar de responder pela maior parte do PIB, continua sem a atenção e o aprimoramento devidos. E dentro deste, mais renegado ainda, está o turismo. A título de comparação, o PIB turismo argentino é mais que o dobro do brasileiro, o uruguaio idem, mexicano 9% e o da República Dominicana quase o triplo, 10,1%. Veja que usamos aqui apenas exemplos latino-americanos.
Outras dificuldades também tem raízes na história. A entrada de estrangeiros no Brasil, por exemplo, foi proibida durante quase dois séculos, apesar de muitos terem conseguido furar o bloqueio português. Só com a chegada da Família Real e, mais precisamente, com a “abertura dos portos às nações amigas”, em 1810, que o país passou a receber demandas estrangeiras.
 
Foram os viajantes estrangeiros que, até o final do século XIX, nos legaram a maior parte do conhecimento sobre o Brasil, foram eles “que percorreram, registraram e descreveram” a população, fauna e flora brasileiras. Muitos deles deixaram por escrito protesto contra abusos e ações tresloucadas do governo, que, entre outros, não permitia a entrada e circulação de livros e literaturas que não fossem de cunho religioso. Qualquer outro era automaticamente revistado ou confiscado e apreendido na alfândega. A liberação, ah essa daí você, conhecedor da nossa famosa burocracia estatal, pode tirar suas próprias conclusões! Um dos viajantes mais conhecidos daquele início de século foi o cronista luso-inglês Henri Koster, que buscava o clima tropical com vistas à cura de uma tuberculose. Ele, que teve os livros de história confiscados nas alfândegas e portos do país, viajou de Recife ao Maranhão entre 1810 e 1811, e escreveu em sua importante obra: “São tantas as dificuldades que se experimenta nos portos do Brasil que percorri, que o único recurso para tê-los (os livros) é o contrabando” (Viagens ao Nordeste do Brasil. Ed. Brasiliana, 1942. P. 241. Notas de Câmara Cascudo). No porto de São Luís, Koster, só conseguiu reaver seus livros após petição formal ao governador. Outro procedimento contra os estrangeiros era a perda do nome original, o aportuguesamento dos sobrenomes.
 
Segundo o escritor Mário Jorge Pires, autor da obra Raízes do Turismo no Brasil (Manole, 2001), tudo isto fazia parte de um “pacote” contra a presença alógena. O colonizador tentava assim manter os estrangeiros distantes das riquezas do país. Apesar da participação forasteira na formação do Brasil, com destaque para franceses, espanhóis, holandeses, ingleses, escoceses, dentre outros, e das ondas imigratórias a partir da segunda metade dos novecentos, sendo sírio-libaneses, italianos, alemães, poloneses, suíços, belgas, japoneses, chineses, dentre muitos outros, inexiste uma política eficiente para a captação de forma mais objetiva das muitas demandas estrangeiras interessadas em nos visitar. A secular tradição da baixa qualidade no atendimento – que à época colonial era algo sempre delegado a escravos – ainda é também um tabu a ser quebrado. O medo semeado propositalmente conta os estrangeiros – tachados de maus, piratas, contrabandistas, invasores, intrusos, hereges, perigosos, promíscuos e concorrentes – precisa ser revisto e trabalhado.
 
Os megaeventos que se avizinham demandam-nos muito mais que a competência em disponibilizar infraestrutura, vai nos requerer um perfil mais aberto e plural, uma visão menos xenófoba com relação ao estrangeiro, além de políticas públicas mais generosas àqueles que estarão aqui para conhecer este país, antes conhecido como a “terra sem males”, e que deixarão bilhões de dólares e euros, e milhares de empregos. E se não conseguirmos encantá-los com nossas belezas, ou saudá-los com nossos gestos mais pródigos da gentilidade, ao menos temos o dever de garantirmos uma estada sem sobressaltos e escusá-los de algum vexame secular, a final, o momento será de explorarmos o turismo e não o turista. 
 
*Turismólogo, ex-presidente da Associação Brasileira dos Bacharéis de Turismo do Maranhão – ABBTUR/MA e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão – IHGM.