quinta-feira, 19 de junho de 2008

As mudanças no comportamento feminino
Por: Rejanny Braga

A mulher passou por várias conquistas. Conquistou a independência emocional, com a aprovação da lei do divórcio; sexual, com a chegada da pílula; financeira, ao entrar com a sola do salto alto no mercado de trabalho; e de expressão, uma conseqüência de todas as outras conquistas e porta de entrada para as que ainda virão.

A pergunta é: será que estão se libertando mesmo, ou apenas incorporando de maneira definitiva a idéia – muito antiga – de que o que “são aquilo que parecem”, permanecendo submissas a padrões de beleza externos?

O início de tudo
Quando chegaram ao Brasil, os portugueses se impressionaram com a beleza das índias – sempre bem dispostas, cujos corpos eram “limpos e tão gordos que não pode mais ser” e “sem vergonha alguma”.

As tupinambás gostavam de pintar seus corpos com tinta de jenipapo e se enfeitar com enormes colares de miçanga colorida. Esta era a sua beleza e, por mais estranho que pareça, a sua simplicidade era tida como pureza da alma e assim, por algum tempo, os gulosos europeus conviveram com as formosas índias. Neste momento, o conceito de beleza ibérico eram as mulheres árabes, “selvagens morenas” que, na Espanha e na África, tomavam banhos de rio e transbordavam sensualidade. Esta imagem feminina foi reencontrada nas índias brasileiras.


Segundo historiadores, enquanto no Brasil vingava a moda das morenas, em Portugal o estilo “loira italiana”, tipo “pálida, virgem e donzela” começava a ditar o universo feminino. Isto é, com os famosos pintores do Renascimento, como Botticcelli, surgiram os artifícios até hoje muito usados pelas brasileiras: mudar a cor do cabelo e passar uma base, muito mais clara do que a pele. Ser loira é praticar a moda de dissimular a cor e as imperfeições do corpo, com o uso de perucas, espartilhos, tecidos volumosos – apesar do calor –, sem falar na eliminação dos pêlos negros, principalmente nas sobrancelhas.

Por fim, uma boa camada de “rouge”, feito de pau-brasil ou canela, misturada à gordura de porco. Em pouco tempo a imagem feminina era a de uma mulher afetada, encoberta por milhares de tecidos “elegantes” e camadas de pó. Toda esta luta para parecer uma típica européia.

A moda dita regras
Apesar de durar até hoje em outras facetas, este padrão aloirado permaneceu até o século XIX, quando a Corte se mudou para o Rio de Janeiro. Mais precisamente um pouco depois, quando Maria Antonieta recriou os modelitos da época romana. A cintura alta, as mangas curtas e as luvas chamavam a atenção. Não é à toa que Machado de Assis escreve um romance chamado “A mão e a Luva”, elogiando o sensual jogo de esconder e revelar o braço, que esta moda trouxe.

Neste momento, as mulheres vão às festas, mas com muito sofrimento, pois a cintura alta exigia o uso do espartilho que, por sua vez, impedia a mulher de sentar e estimulavam os gazes, como nos contos hilários de Machado. E para facilitar ainda mais o movimento, sapatos muito altos, que se tornaram verdadeiras armadilhas para as brasileiras.

O estilo Maria Antonieta foi uma tortura para as recém-brasileiras, quase sempre rechonchudas. No entanto, o ato de vestir roupas caras e atualizadas era o sinal de riqueza, tradição e linhagem. Por mais desconfortável que fosse e menos apropriado aos trópicos, vestir-se conforme a Corte era sinal de status, um comportamento regulado, uma atitude de gente economicamente poderosa e aristocrática. Foi neste momento que surgiram os padrões, os ditames, as tendências, o que “há de mais atual”, a atitude, o aparecer feminino para a sociedade. Com eles, as revistas de moda, os manuais, almanaques, jornais de comportamento e toda sorte de escritos ensinando as mulheres a se comportar em público.

Década de 50
A década de 50 foi uma época de tradição e valores conservadores. As mulheres casavam-se mais cedo, tinham filhos e cuidavam da casa. A década de 50 assistiu a uma reavaliação comportamental feminina sem precedentes. A revolução feminista, iniciada nos anos 40, se expandiu e atingiu outras áreas. As desigualdades sociais e políticas passaram a ser a base das diferenças entre os dois sexos e o novo alvo de luta da mulher. Elas são universitárias, jovens, que queimam os sutiãs e lançam a revolução sexual.

A moda desfilava o comportamento da mulher brasileira e a alta-costura era seguida pela revista da época: Vogue. O homem brasileiro era playboy, usava calça rancheira, mocassim branco, camisa ban-lon e cabelos cortados à “Príncipe Danilo”. Ser conquistador era pegar as “boazudas”, farrear, dar umas voltas. Para casar, só com mocinha ingênua, mas não se abria mão do machismo. O mesmo machismo que se misturava com a rebeldia a mascar chicletes e desfilar cadilaques rabo-de-peixe. Nos bancos de praças as garotas liam as edições femininas de A Cigarra, O Cruzeiro e Manchete.

O desenhista Alceu Penna marca a década com seu traço perfeito. Suas garotas eram uma visão pessoal da sonhada namorada do Brasil: charmosa, moderna, elegante e com um comportamento que não competiria com a macheza da época. Elas transmitiam apenas a moda, a inspiração da mulher ideal. A partir daí a mulher mostrou-se vulnerável à evolução de sua fleuma, uma ameaça que mais cedo ou mais tarde viria acontecer. Pegaram gosto pela estética, e o glamour era desfilar seus trajes de banho nas calçadas do Rio, ainda cobertas as curvas. Os decotes ainda cobriam os ombros, mais tarde deixavam-se ver suas costas e sacudiam a sociedade com o biquíni de duas peças. Aceitar carona de cadilaques ou lambretas era o novo desafio das moças que já usavam calças compridas e passavam o dia a bambolear para afinar a cintura (o que também era moda na época). Na mulher usava-se lenço no pescoço e muita roupa colorida, neles, óculos ray-ban, jaquetas de couro e topete.

O ápice da juventude de 50 era umas simples voltas pelas ruas das cidades para um festival de olhares para os quais se voltavam uns aos outros. Uma época cujo único brilho era ser jovem, ser novo, ter liberdade. As amarguras da sociedade fechada e careta pareciam fundamentais para que tal essência de um jeito de ser de uma geração tivesse sentido.

As rápidas mudanças: surgiam as mulheres modernas
A chegada da pílula anticoncepcional é vista como uma forma de libertação e decisão final sobre o corpo. Ela transformaria o ser feminino para sempre e a maternidade começava a ser vista como realização pessoal, independente da vida a dois.

Os casamentos passaram a ser mais tardios, com menos filhos, resultado de uma vida mais dirigida a fortalecer uma carreira fora de casa. Com o passar do tempo, as atenções se voltaram com força total para o corpo e a estética, como um contraponto à despreocupação dos hippies. Com o surgimento da cirurgia plástica, todas ficavam com a mesma cara, mas dar uma esticadinha era o que havia de mais moderno.

A influência da cultura negra marcou a década e a moda combinava elementos como os black-powers e a boca-de-sino com inspirações na euforia dos anos 20, sobretudo nas maquiagens com muito brilho. A ginástica e o fisiculturismo chegavam à popularidade com o cooper e as primeiras academias. Era a hora de a mulher mostrar também a sua força física, com músculos esculpidos em horas de exercício.

A mulher e as responsabilidades

A lei do divórcio, aprovada em 1977, lançou novas concepções familiares: as estudantes revolucionárias da década anterior agora estavam separadas, cuidando dos filhos e assumindo as funções de chefe. Nessa época, um modelo genuinamente brasileiro de mulher de classe média chega à TV como prova máxima de realidade: Malu Mulher.

Essa atuação feminina na sociedade, preocupada com a saúde, a estética, a carreira e a família, ajuda a disseminar a independência da mulher na imagem da executiva de sucesso: linda e bem-sucedida. Nas empresas, a presença cada vez maior de tailleurs e terninhos ressuscitaram discussões sobre as diferenças entre homens e mulheres.

Diferenças que chegaram aos anos 90 traduzidas numa imensa diversidade de comportamentos. O silicone criou polêmica e os modelos de beleza nunca foram tão contestados. A evolução tecnológica decretou o sepultamento da celulite, das rugas e dos complexos físicos e, ainda assim, a insatisfação torna a comparação com o sexo masculino inevitável.

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