quarta-feira, 11 de junho de 2008

Luta dos quilombolas de Alcântara

Por Rejanny Braga e Danielle Lobato


A resistência dos remanescentes de quilombo passa pelos territórios de Alcântara, onde a história foi marcada pela implantação do Centro de Lançamento de Alcântara, que começou em 12 de setembro de 1980, sem qualquer consulta previa aos alcantarenses, o Decreto Estadual nº 7.820, declarou de utilidade pública para fins de desapropriação uma área de 52.000 hectares, para fins de instalação da Base de Lançamentos de Foguetes. Esse território foi posteriormente, em 1991, ampliado para 62.000 hectares, o que equivale a 62% do município.


Procurador da República Alexandre Silva Soares em reunião com comunidades quilombolas no povoado de Mamuna

Para desapropriar essa área foram removidos 312 famílias quilombolas de 23 povoados para 7 agrovilas, com modulo rural de 15 hectares. Essa ação não levou em conta as realidades sociais e ecológicas das comunidades quilombolas e resultou em terras insuficientes para as famílias forçadas a mudar-se para as agrovilas. . Nesta área declarada de utilidade pública, moram e trabalham agricultores, extrativistas, pequenos comerciantes e artesãos. Hoje o governo federal tem uma visão comercial desta área da Base, prevendo a construção de sítios de lançamento para patentes estrangeiras, e desviando-se da finalidade oficial de utilidade pública.

Em 1988, a nova Constituição promulgada no centenário da abolição da escravidão, assegura no artigo 68 do Ato Das Disposições Constitucionais Transitórias, que: “aos remanescentes das comunidades dos moradores quilombolas que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Este artigo constitucional garante o direito a terra para os moradores do território étnico de Alcântara. O Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN), e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SMDH) através do Projeto Vida de Negro (PVN), registraram isso no seu relatório “Terras de Preto no Maranhão: Quebrando o Mito do Isolamento” de 1989.


Com esse ato a luta dos quilombolas de todo o país se fortaleceu e várias organizações começaram a se empenhar mais. Até então, em Alcântara o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara estavam trabalhando em defesa do território dos quilombolas de Alcântara, a partir daí passaram a contar também com o apoio do Centro de Cultura Negra.


Sede do Mabe (Movimento dos Atingidos pela Base)

Outro movimento que surgiu em 1992 foi o Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Alcântara (MONTRA), juntando-se a luta para fortalecer a idéia de “igualdade das mulheres” dentro dos direitos das comunidades no território étnico de Alcântara. Mais organizados e fortalecidos, os quilombolas das comunidades atingidas pela Base ocuparam em 1993 a sede do INCRA, reivindicando a desapropriação por interesse social de terra para assentamento dos filhos dos residentes nas agrovilas. Já em 1997, surge a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (ACONERUQ), a partir do V Encontro das Comunidades Negras Rurais Quilombolas e Terras de Preto do Maranhão, que hoje participa ativamente da luta de Alcântara levando ao município vários projetos. Outras organizações nacionais também já haviam se integrado a essa luta como é o exemplo do Centro de Direito a Moradia Contra o Despejo Forçado (Cohre) que foi fundado em 1994, e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, criado em 1996. Desde o inicio de suas atividades essas organizações integraram os quilombolas de Alcântara nas suas atividades.

Um grande passo na luta pelo titulo dos territórios desse município foi dado em 1998, respondendo as demandas das comunidades e aos apelos dessas organizações, quando a Fundação Cultural Palmares autorizou uma pesquisa preliminar para identificação das comunidades remanescentes de quilombos em Alcântara. Os levantamentos identificaram 26 povoados como comunidades remanescentes de quilombos e indicaram dezenas de outros.
Essa ação fez despontar diversas outras em defesa do território de Alcântara. Em 1999 o STTR de Alcântara com o apoio da CONTAG (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura) e da FETAEMA (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado do Maranhão), do então prefeito municipal José Wilson Bezerra e do advogado Domingos Dutra realizaram o seminário “Alcântara: a Base Espacial e os impasses Sociais” Este evento reuniu quilombolas de toda Alcântara e também estudiosos, políticos e advogados, além e militantes do movimento negro (CCN, PVN-SSDH) e associações voluntárias da sociedade civil para discutir os problemas econômicos, sociais, ambientais e culturais causados pala implantação da Base, e para definir estratégias de defesa dos direitos territoriais e étnicos das comunidades quilombolas.

A partir desse seminário foi criado o MABE que é uma organização que une as comunidades do território étnico de Alcântara na defesa dos seus direitos e de sua dignidade face aos danos sócio-ambientais provocados pela Agencia Espacial Brasileira. O MABE passou a ser um grande articulador das atividades, um dos militantes do MABE conhecido mundialmente é Sérvulo Borges, que por acreditar no projeto também foi vítima do projeto compondo a turma de jovens que foram enviados a São Paulo na época do remanejamento e depois voltaram como soldados na Aeronáutica. Borjão, como é conhecido, emociona-se todas as vezes que se lembra deste fato.

Ministro da Igualdade Racial Edson Santos e o secretario estadual da Igualdade Racial João Francisco dos Santos, em visita ao povoado de Mamuna.

Grandes avanços na luta
As atividades dessas organizações não pararam, em 2001 o Centro de Justiça Global também entra na luta por essa causa, eles denunciaram “desestruturação sociocultural e violação ao direito de propriedade e ao direito à terra de Comunidades remanescentes de quilombos” à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em um despacho de 12 de abril de 2002 o Procurador da República no Maranhão, Dr. Nicolau Dino de Castro da Costa Neto, nomeou o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida “para proceder à perícia antropológica, no interesse da instrução do inquérito civil público”. O Laudo Antropológico “Identificação das Comunidades Remanescentes de Quilombo em Alcântara (MA)”, de autoria do mencionado antropólogo, produzido a partir do Convênio da Associação Brasileira de Antropologia com o Ministério Público Federal, foi divulgado em setembro, evidenciando que as comunidades quilombolas de Alcântara fazem parte de um abrangente território étnico.

Com esse laudo em mão a luta se intensificou, em 2003, o Ministério Público Federal moveu uma Ação Civil Pública contra a Fundação Palmares e a União, baseado no referido Laudo Antropológico. A ação defende a titulação do território étnico de Alcântara como um todo. Mas algo inesperado aconteceu, em 2005, o governo federal apresentou um novo projeto para o Centro. Ao lado do já existente Centro de Lançamento de Alcântara, sob o controle militar do Comando da Aeronáutica, e ocupando menos de 8.000 hectares dos 62.000 desapropriados, o governo pretende construir o Centro Espacial da Alcântara, uma base sob o controle civil da Agencia Espacial Brasileira (AEB), do Ministério da Ciência e Tecnologia, e com amplas facilidades para o lançamento de países estrangeiros. Nos mapas já apresentados pela AEB, estes sítios de lançamentos para a Ucrânia e outros países aparecem indicados nas terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades quilombolas. As mobilizações organizadas pelo STTR e pelo MABE levaram o governo a garantir que não haverá deslocamentos compulsórios de comunidades.

A última conquista resultante do trabalho de todas essas organizações foi em 4 de junho , quando os procuradores da Repíblica Alexandre Silva Soares, Regis Richael Primo e Tiago de Sousa Carneiro, intimaram a Agência Espacial Brasileira (AEB) a se manifestar sobre as irregularidades da Base de Lançamento de Alcântara, apontadas pelo Ministério Público Federal no Maranhão e, ação cautelar ajuizada contra a AEB, Alcântara Cyclone Space e Fundação Atech. Essa ação tem o objetivo de assegurar a posse das áreas das comunidades remanescentes de quilombos ameaçadas pela possibilidade de implantação de novos sítios de lançamento do veículo espacial Cyclone-4, em empreendimento binacional promovido pelos governos do Brasil e Ucrânia.

Com a ação cautelar o MPF quer que sejam paralisadas todas as obras, instalações e serviços que afetam a posse do território étnico dos remanescentes de quilombo, até que seja concluído o processo de identificação, reconhecimento, delimitação e titulação respectivas que está em curso no Incra.

Links:
http://imirante.globo.com/noticias/pagina166592.shtml
http://www.tiosam.com/videos.asp?q=Foguete+espacial
http://www.jornalpequeno.com.br/2008/5/31/Pagina79723.htm
http://www.jornalpequeno.com.br/2008/6/4/Pagina79914.htm
http://www.koinonia.org.br/