terça-feira, 10 de junho de 2008

MARANHÃO


Pobreza, impunidade e modelo econômico excludente favorecem a elevação dos índices de exportação de mão - de - obra escrava.


Por Ana Paula Nogueira e Flávia Almeida




O trabalho escravo ainda faz parte da realidade de muitos trabalhadores rurais brasileiros. Subjugados à condições precárias de trabalho, ao uso da violência por parte dos patrões, às condições de isolamento geográfico, à servidão por dívida e a muitos outros fatores que desrespeitam e violam os direitos humanos, esses trabalhadores são vítima do que atualmente conhecemos como a escravidão contemporânea.
Contemporânea porque àquela que foi estudada na história do Brasil já completou 120 anos de abolição, mas mesmo assim, ainda hoje encontramos trabalhadores escravizados e que têm o direto a sua liberdade, que é garantido por lei, cerceado pelos patrões.
No Brasil, de acordo com os dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o número de trabalhadores escravizados oscila entre 25 a 40 mil trabalhadores.


NO MARANHÃO

No Maranhão a realidade não é muito diferente. Estima-se que cerca de 38% dos trabalhadores escravizados sejam maranhenses, ou seja, algo em torno de 9.500 trabalhadores.O aliciamento destes ocorre por meio dos “gatos”, que são as pessoas que contratam os trabalhadores em regime de empreitada, oferecendo boas oportunidades de trabalho. O problema é que somente após iniciarem os trabalhos é que eles percebem a situação de maus tratos a que estão sujeitos.
Alimentação e instalações inadequadas, vigilância constante, ameaças, violências físicas e psicológicas. Estas são algumas das situações a que os trabalhadores são submetidos. A servidão por dívida também é muito comum nesses casos, onde as constantes dívidas econômicas para com o patrão são infindáveis. Tudo o que é utilizado pelo trabalhador e sua família é anotado pelo patrão, e cada vez mais endividado, o trabalhador fica sem meios de saldar a dívida.
A mão-de-obra escrava é utilizada para diversas atividades econômicas. Segundo o estudo Trabalho Escravo na Economia Brasileira-etapa 2007, as cinco atividades em que foram encontrados mais trabalhadores em situação de escravidão contemporânea foram: pecuária bovina (62%), produção de carvão (12%), cultivo da soja (5,2%), algodão (4,7%) e milho (3,1%).

A pecuária bovina lidera o ranking da escravidão contemporânea com 62%

O Maranhão destaca-se negativamente neste cenário. Dos 37 municípios brasileiros relatados como sendo o local de nascimento dos trabalhadores resgatados do trabalho escravos, 24 são maranhenses. O dado foi divulgado pela ONG Repórter Brasil.


CAUSAS

A pobreza, o modelo econômico excludente e a impunidade são apontados como as maiores causas do trabalho escravo no Maranhão. Municípios com baixo índice de desenvolvimento humano, falta de oportunidades de trabalho, de educação e de condições básicas de sobrevivência acabam fragilizando os trabalhadores que se submetem às condições de trabalho degradantes para garantir o sustento da família.
A impunidade dos fazendeiros e aliciadores por parte do judiciário contribui também para manutenção desta realidade. Embora o Código Penal Brasileiro estabeleça pena de dois a oito anos e multa para quem reduzir alguém à “condição análoga de escravo”, no Maranhão não há até hoje nenhuma condenação aos autores já identificados pelo crime de trabalho escravo.
Segundo a Superintendente do Ministério Público do Trabalho, Virgínia Saldanha, estão sendo realizadas frequentemente ações fiscais juntamente com a DRT na tentativa de combater essa prática. Caso seja encontrado trabalhadores em situações degradantes de trabalho, eles são resgatados pelo Ministério público e as ações contra os empregadores que adotam essa prática são agilizadas.
“Essa prática é veementemente combatida pelo Ministério Público. Os empregadores são obrigados a custear o retorno dos empregados ao seu local de origem e devem responder na justiça por essa ilegalidade”, destacou Virgínia.

Ouça a entrevista


SOLUÇÕES

Para enfrentar esta dura realidade que o Maranhão vem enfrentado, em que milhares de trabalhadores a cada dia deixam os seus municípios em busca de novas oportunidades de trabalho, e pelo estado estar conhecido nacional e internacionalmente como um dos que mais exporta mão-de-obra escrava, o governo do estado do Maranhão criou a Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE).
Composta por 25 componentes, entre representantes de secretariais estaduais, de instituições sociais, órgão de direitos humanos, centros de defesa pela vida, representantes do judiciário, do Ministério Público Federal e do Trabalho e representantes da sociedade civil organizada, a COETRAE elaborou o Plano de Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão fruto de várias discussões com os representantes da comissão.
O plano traça estratégias para combater as principais causas do trabalho escravo no Maranhão: a pobreza, a impunidade e o modelo econômico excludente. A Secretaria de Desenvolvimento Social faz parte da elaboração do Plano de Erradicação e tem competência de administrar melhores condições de trabalho na tentativa de inibir a imigração dos trabalhadores a outros estados.
A secretária Margareth Cutrim destacou que o governo precisa integrar as políticas públicas para solucionar o problema da escravidão no estado.
“A falta de vida digna é a maior causa do deslocamento da população pela busca da melhoria. Estamos tentando reverter esse quadro criando condições para que as pessoas saiam da realidade da escravidão e possam voltar ao seio da família e da comunidade”, afirmou a secretária.

Ouça a entrevista



Principais municípios com registro de trabalho escravo Oeste Maranhense:

Açailândia, Alto Alegre do Pindaré, Amarante do Maranhão, Bom Jardim, Bom Jesus das Selvas, Buriticupu, Carutapera, Centro Novo, Gurupi, Cidelândia, Boa Vista do Gurupi, Imperatriz, Itinga do Maranhão, João Lisboa, Lajeado Novo, Santa Luzia, São Francisco do Brejão, São Pedro da Água Branca, Senador La Rocque, Vila Nova dos Martírios e Pindaré-Mirim. Sul Maranhense: Carolina, Porto Franco, Riachão, São Raimundo das Mangabeiras e Balsas. Centro Maranhense: Arame do Maranhão, Bacabal, Grajaú e São Mateus. Leste Maranhense: Codó e Peritoró.

Fonte: Mapa dos Municípios com Trabalho Escravo-CPT (2002 a 2006)