quinta-feira, 19 de junho de 2008

O casamento não é mais um sonho

Por Ilzinete Rangel
Nunca houve tantas mulheres bem-sucedidas, bem-cuidadas e bem de vida. E nunca houve tantas solteiras. Por opção, distração ou falta de oportunidade, elas não acham um marido a contento.

Afinal, o que as mulheres querem? No campo das aspirações femininas mais fundamentais, essa é uma pergunta facílima de responder. Por razões sociais, culturais e biológicas, a maioria absoluta das mulheres aspira a encontrar um companheiro, casar-se, constituir família e, por intermédio dos filhos, ver cumprido o imperativo tão profundamente entranhado em seu corpo e em sua psique ao longo de centenas de milhares de anos da história evolutiva.

A diferença a que se assiste hoje é que não existe mais um calendário fixo para que isso aconteça. A formidável mudança que eclodiu e se consolidou ao longo do último século, com o processo de emancipação feminina, o acesso à educação e a conquista do controle reprodutivo, permitiu a um número crescente de mulheres adiar a “programação” materno-familiar.

As mulheres que dispõem de autonomia econômica e vida independente não são mais consideradas balzaquianas aos 30 anos – apenas 30 anos! -, encalhadas aos 35 e, aos 40, reduzidas irremediavelmente à condição de solteironas, quando não agregadas de baixíssimo status social. Imaginem só chamar de titia uma profissional em pleno florescimento, com um ou mais títulos universitários – e um corpinho bem-cuidado que enfrenta com honras os jeans de cintura baixa ou o biquíni nos intervalos dos compromissos de trabalhos. Além de fora de moda, o termo pode ser até ofensivo.

O contraponto a esses avanços é que, quanto mais as mulheres prorrogam o casamento, mais se candidatam a uma vida inteira sem alcançá-lo. No Brasil, segundo dados do IBGE, o número de mulheres com 35 a 39 anos, que continuam solteiras é bem maior agora do que há dez anos. E a porcentagem daquelas com diploma universitário, pulou de uma já alentada média de 20% para 30%. Para Irene Pereira, 40 anos, o fato que fez ela ainda não se casar foi a distração. “Quando sou apresentada a alguém e digo que nunca me casei, as pessoas começam a procurar o que eu tenho de errado. Isso acontece frequentemente, mas não me sinto encalhada. Acho que demorei para sair da adolescência. Vejo isso como um problema de minha geração. Fomos muito protegidos pelos pais e acabamos ficando muito mais tempo na posição de filhos, mesmo já sendo independente financeiramente. Então, acabei me distraindo e não me casei”, lamenta.

Mulheres que privilegiam a carreira profissional
A atenção despertada pelo grande contingente de mulheres solteiras é produto de um momento de transição: as transformações sociais, econômicas e tecnológicas das últimas décadas foram tão rápidas que a matriz de comportamentos profundamente solidificados não teve tempo de acompanhar a mudança.

Num futuro não muito distante, mulheres e também homens que nunca se casaram ou não têm filhos, ou ainda, que resolvem tê-los depois dos 50 e até 60 anos, provavelmente estarão tão entranhados na paisagem social que ninguém vai reparar. “O adiamento do casamento é conseqüência da pílula anticoncepcional, que permite separar prazer de reprodução, do aumento da longevidade – hoje a mulher morre, em média, com 75 anos, cinco a mais do que há quinze anos -, da chamada adolescência tardia dos que permanecem na casa dos pais com liberdade e conforto e da emancipação econômica”, lista a socióloga Maria Lima.

Diariamente ela se depara com mulheres que deixam o casamento para mais tarde porque privilegiam a carreira de maneira consistente, não como atividade paralela ao interesse principal (casar e ter filhos). “Elas querem destaque profissional, não apenas trabalhar e ter um salário”, afirma a socióloga.

É mais ou menos a história de vida da enfermeira Karla Gomes, 44 anos, que por muitos anos pôs a carreira na frente do casamento, para desgosto da família – de uma tia mais preocupada, ganhou uma imagem de Santo Antonio com fitinha benzida, para aumentar as chances de arranjar marido. Chegando perto dos 40, porém, a própria Karla acusou a pressão. “Percebi que alguma coisa estava faltando. Comecei a fazer terapia e vi que tinha deixado o tempo e as oportunidades passarem. Mudei”, conta. Adiar a união até a carreira estar relativamente bem encaminhada e a independência econômica consolidada tem uma vantagem evidente: o eventual marido deixa de ser a tábua de salvação financeira, a garantia de sobrevivência.

Como não precisa, a todo custo, ter um homem para lhe assegurar o status social e econômico, a mulher profissionalmente bem-sucedida é também mais exigente na hora de escolher seu parceiro. “Mulheres que se dedicam à carreira e se tornaram qualificadas buscam homens tão ou mais qualificados do que elas. Só que a qualificação se divide na população como uma pirâmide, ou seja, quanto mais qualificado e bem remunerado, mais raro o parceiro”, diz a psicóloga Maria. E o mais impressionante é que, assim como nos anos 70, em 74% dos casamentos, o homem é mais velho do que a mulher. O problema é que quanto maior a faixa etária, maior o número de homens comprometidos e quando se descomprometem eles tendem a procurar mulheres mais novas e, ainda por cima, morrem mais cedo.

Logo, a pirâmide de parceiros se estreita justo no momento em que a mulher, que deixou para se casar mais tarde, começa a apontar radar nessa direção. O dado estatístico é comprovado empiricamente por qualquer mulher que esteja no mercado amoroso. O homem mais disponível é casado, o mais interessante é jovem demais e os mais difíceis são os da mesma faixa etária, que só querem as novinhas. Desse jeito está cada vez mais difícil conseguir um casamento!

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